Aracy
Tupinambá fala sobre mulheres indígenas na mídia brasileira
Aracy
Tupinambá fala sobre o contexto das mulheres indígenas na mídia brasileira.
Entrevista
com Aracy Tupinambá(Renata Machado S. Rodrigues) do Povo indígena Tupinambá,
nasceu em Niterói-RJ, em 25/07/1989. Graduanda em Comunicação Social pela
UNESA, previsão de fim de curso em 2012 e cursando Roteiro Cinematográfico no
Instituto Brasileiro do Audiovisual Escola de Cinema Darcy Ribeiro.
Cinemaartes:
Como a mídia (TV, cinema, novelas, comerciais) trata e retrata a mulher
indígena ?
Aracy
Tupinambá: Os povos originários começaram a ser retratados e representados nas
telas do cinema e da televisão tendo como base a literatura indianista que
resgata elementos etnocêntricos cristalizados no imaginário de grande parte da
população brasileira. Obras da literatura de José de Alencar e outros. Para
entender como a mídia, a televisão e o cinema retratam a mulher indígena, é
preciso compreender como retratam o “ser indígena”, não diferente do que muitos
ainda aprendem nas escolas. Faço parte da gestão de um Projeto chamado Índio
Educa voltado para alunos e professores do ensino médio e fundamental, no
auxilio da História das Culturas Indígenas, junto com outros jovens : Marina
Terena, Alex Makuxi, Micheli Kaiowa, Sabrina Taurepang e Amaré Krahô Canela. A
gente sabe que começa na escola essa visão preconceituosa que muitos ainda possuem
sobre o que é ser indígena e reproduzem em seus trabalhos. A imagem romântica
do "bom selvagem" e do "mau selvagem".
Publiquei
em 2008 um artigo no Observatório de Imprensa, o titulo era: “De objetos do
Novo Mundo a objetos da Nação Brasileira”, eles publicaram com o titulo: “A
imprensa é parcial e etnocêntrica”. Nele eu comento o fato da maioria dos
grandes jornais brasileiros não abordar a questão indígena com imparcialidade e
muitas matérias jornalísticas resgatarem o etnocentrismo que ainda existe em
muitos livros didáticos. E principalmente sobre o etnocentrismo europeu estar
enraizado no ethos da sociedade brasileira, que foi sendo construída durante
séculos sobre bases e correntes de pensamento européias.
Uma
novela por exemplo que gerou ate bastante polêmica nesse sentido foi A Lua me
Disse,com a atriz paraense, Bumba, que fez a personagem chamada “Índia”, nem um
nome foi dado pelos roteiristas. Era constantemente ridicularizada, humilhada
pelas patroas na novela, chamada de preguiçosa, ela corria atrás dos homens,
tinha o sotaque estereotipado, gritava:“índia quer, índia gostar...”, “índia
quando quer homem fica nua na taba...”. Era tudo de negativo que poderiam
colocar em uma personagem indígena e que seria motivo de deboche nacionalmente
e também internacionalmente já que muitas dessas novelas passam em outros
países. Cartas de repúdio foram elaboradas por associações indígenas e a Globo
foi aconselhada pelo Ministério Público a mudar o perfil da personagem. Muitas
famílias com pouco acesso a informação, através da mídia, das novelas e filmes
pensam conhecer os povos. Eu acho muito vergonhosa a forma como muitas dessas
novelas retratam a mulher indígena, uma imagem deturpada ligada ao atraso,
ridículo, exótico, erótico, com muitas coisas pejorativas. E mesmo assim muita
gente ainda pensa que não existe preconceito contra indígenas no Brasil, são
estereótipos tão presentes na sociedade que acabam sendo aceitos e vistos como
algo natural para algumas pessoas. E o que dizer sobre o recente comercial de
bebida alcoólica, com “mulheres indígenas”, no caso atrizes vestidas de índias,
com roupas inspiradas na de indígenas americanos não brasileiros, que aparecem
para apagar a “fumaça” do churrasco de não indígenas? O não respeito às
culturas indígenas. O grande desafio sem dúvida é a descolonização desse “saber
colonizado”.
Cinemaartes:
Quais seriam os caminhos pra uma mídia com mais respeito aos povos indígenas ,
em especial as mulheres indígenas?
Aracy
Tupinambá: Acredito na conscientização como agente fundamental de
transformação. É importante que os profissionais da mídia não fiquem presos a
visões ultrapassadas.
Cinemaartes:
Qual seu conselho para as mulheres indígenas?
Aracy
Tupinambá: A vida das mulheres indígenas tem mudado muito, a maioria das
culturas são patriarcais. Até pouco tempo era forte o preconceito de que mulher
indígena só deve cuidar dos filhos, da roça, artesanato, comida. Muita coisa
era apenas direcionada aos homens, principalmente as oportunidades em realizar
coisas novas. Mas cada dia que passa esse preconceito vai ficando mais fraco e
mulheres vão conquistando voz que antes não tinham em algumas comunidades.
Conheço muitas que cursaram ou estão cursando o ensino superior, buscando
outras funções que antes apenas era comum aos homens. Existe aquelas que ainda
se escondem por medo, dizem apenas que são netas ou filhas de indígenas. A
grande maioria quando saem da aldeia para estudar ou trabalhar passa por
dificuldades, são discriminadas nas cidades, até são vitimas de violência
sexual ou de outros abusos.
Eu
venho de uma família de mulheres pajés e guerreiras. Mulheres que sofreram
abusos, mulheres que morreram defendendo nosso povo. A avó da minha avó morreu
com uma bala no peito defendendo nosso povo. Eu me orgulho das mulheres da
minha família, mulheres que não fraquejaram nas dificuldades, nem mesmo
sofrendo tortura, mas acreditaram na força de sua cultura e principalmente
mulheres de muita fé. Eu diria para minhas parentas de todas as etnias, para não
esquecerem quem elas são e não desistirem dos seus sonhos, mesmo que os rios,
mares e lagoas fiquem salgados com nossas lagrimas. Não deixem ninguém as
desrespeitar ou dizer o que podem fazer. Como mulheres somos o ventre da terra,
somos mães da nossa cultura e o equilíbrio, de pés descalços na terra dançando
e cantando sempre. Somos a força de um povo, todo seu coração e identidade.
Cinemaartes:
Como começou a sua historia com o audiovisual ?
Aracy
Tupinambá: Sempre gostei de historias, cresci com minha avó Tupinambá me
contando historias sobre sua mãe, sua avó, o sofrimento dos nossos parentes e
outras historias. Sempre pensei em como registrar a memória e compartilhar
sentimentos, como guardar não apenas comigo, mas principalmente compartilhar
com outros. Sempre me senti atraída pela imagem, escrita, fotografias e filmes.
Tenho uma verdadeira paixão pela escrita e pela imagem.
Em
2000 fiz parte de uma oficina de um grupo chamado Moleque de Idéias, uma
oficina de Criação Digital: Criação de Roteiros, Modelagem em massa, Produção
de Cenários, Animação Digital, Sonorização e Dublagem. Fizemos um curta
metragem sobre os 500 anos do Brasil. Foi a primeira vez que eu havia tido
contato com o audiovisual.
Em
2008 comecei a fazer parte como voluntária na área de etnojornalismo no Projeto
Índios Online, um portal de diálogo intercultural que promove a comunicação
entre várias comunidades indígenas e que realizava oficinas de várias temáticas
em aldeias que faziam parte do projeto. Em 2010 fiz parte de um processo
seletivo no Instituto Brasileiro do Audiovisual Escola de Cinema Darcy Ribeiro,
do qual passei e comecei a estudar Roteiro Cinematográfico com o objetivo de na
conclusão do curso passar os conhecimentos adquiridos para as comunidades.
Aprendi muitas coisas, tive a oportunidade de ser aluna do Ruy Guerra, Walter
Lima Junior, Flávio Tambellini e outros. Conheci coletivos de cinema, como o
Coletivo Anti cinema realizado por jovens da Baixada Fluminense.
Comecei
a perceber como o etnocinema é importante enquanto ferramenta que revela mundos
até então desconhecidos para outras culturas, transformando-se em um
instrumento de resistência para os povos indígenas, que fortalece suas
culturas, identidades e comunidades. Retrata formas de um povo ver e sentir o
mundo, desmistificando a visão do outro sobre uma cultura diferenciada. Eu
sempre costumo dizer para as pessoas que me perguntam sobre como é o cinema
indígena, eu digo que a força do maracá das imagens é invocada através do
espírito em que a câmera se torna nas mãos de um etnocineasta.
Contatos:
Aracy Tupinambá http://fragmentosdoinfinito.blogspot.com/ Em breve vou
disponibilizar alguns roteiros, vídeos e etc. Acessem meu blog:
http://fragmentosdoinfinito.blogspot.com/
tupinamba.rj@gmail.com
Postado
por Cinema e Artes às 21:41
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